O Mundo Gira, A Lusitana Roda…

2010/12/05

OS MUDOS, OS CEGOS E OS SURDOS

Filed under: Diário de bordo — trezende2013 @ 11:54

A 29ª Bienal Internacional de São Paulo está próxima do fim. Domingo que vem (12) quem viu, viu. Quem não viu… deve? Sim.
A despeito das quatro, cinco horas de visita, vale a pena encarar uma cabecice aqui, outra ali em nome de uma dose de arte e outra de política. Este é o tema da Bienal deste ano: “Arte e Política”.
Antes mesmo da abertura, dois artistas serviram de chamariz para a exposição: Gil Vicente e Nuno Ramos.
A série “Inimigos”, de Gil Vicente – em que ele assassina personalidades como Lula, Bush e Ahmadinejad, entre outros – quase foi enxotada da Bienal. A OAB queria que os desenhos fossem retirados porque faziam apologia à violência e ao crime.  
Mas a Bienal bateu o pé e os trabalhos continuam lá – fortes e lindos.
Nuno já é conhecido de outras bienais – e carnavais. Desta vez, ele apresenta “Bandeira Branca”, uma instalação que ocupa o vão central entre os três andares do prédio. Em meio a três esculturas gigantes e ao som de “Bandeira Branca”, “Carcará” e “Boi da Cara Preta”, a obra confinou três urubus. Em entrevistas Nuno disse: “Acho que a gente está vivendo um tipo de desenvolvimentismo. Todo mundo eufórico, mas todo mundo muito cego. Quis romper isso com uma espécie de mau agouro que os urubus vão dar para o vão central, que é uma das coisas mais bonitas que o Niemeyer já fez”.
Mas a uruca virou-se contra Nuno. De nada adiantou dizer que os urubus não estavam sofrendo maus-tratos e que tudo foi feito dentro da legislação. Os urubus tiveram de voltar para seu cativeiro, no Sergipe.  A instalação – ou o que restou dela – permanece na Bienal, mas sem sentido. Não há sequer uma satisfação ao visitante a respeito da falta dos bichinhos.
Continuam também na Bienal os artistas adeptos dos vídeos eróticos e das obras-vagina. Lobby de galeristas, curadores, críticos de arte? Polêmica zero. Pobrezinhos, devem achar que estão inventando a roda. Foi-se o tempo em que uma genitália à mostra incomodava a nossa avó.
Sem dúvida, são os trabalhos conceitualmente mais simples os mais interessantes.
“Por Um Fio”, uma fotografia de Anna Maria Maiolino, mostra três mulheres – aparentemente mãe, filha e avó – olhando para a câmera e ligadas à boca por um fio de lã. Simples assim.
“Metade da Fala no Chão – Piano Surdo”, da estreante e xará Tatiana (Blass), é outro que merece comentário. Trata-se de uma videoinstalação em que um músico tenta dedilhar os teclados de um piano. Enquanto a apresentação se desenvolve, o instrumento recebe litros de parafina que pouco a pouco vão endurecendo e impedindo o concerto até não se ouvir mais uma nota. Menos dolorido do que engolir um apito.
Outro estreante, o alagoano radicado no Recife, Jonathas de Andrade, traz o divertidíssimo “Educação para Adultos”, em que atualiza alguns cartazes do método Paulo Freire usados na alfabetização de adultos na década de 70. A partir de cerca de 10 originais, ele criou outros 50, sempre articulando uma imagem e uma palavra para defini-la.
Assim, abaixo da foto de Collor, ele põe “Candidato”. Junto à imagem de uma mulher catando piolho num mendigo, Jonathas acrescenta “Carinho”. Embaixo da clássica foto de Lula com o umbigo à mostra, “Nordeste”. Risos.
Mas se há um artista que se encaixa perfeitamente ao tema proposto pela Bienal deste ano é Flávio de Carvalho – que para mim não passava de um maluco que já tinha saído de saia “não sei por quê-não sei aonde”.
O engenheiro, arquiteto, cenógrafo, desenhista, pintor, escritor e provavelmente o precursor de todos os “performers” que conhecemos hoje ganhou uma sala que homenageia sua “Experiência Nº 2”.
A fim de analisar a “psicologia das massas”, ele enfrentou uma multidão de fieis caminhando no sentido contrário a de uma procissão de Corpus Christi. Usando um chapéu e assediando as “filhas de Maria” com provocações verbais, o artista testou até que ponto ia a civilidade e a tolerância do grupo religioso. O resultado? Quase foi linchado.
Um Flávio de Carvalho sendo praticamente executado por fieis não é muito mais chocante do que a jornada por uma vagina?

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